quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Habesha

Eu sou de Salvador, no Brasil, e uma das coisas que mais me impressionaram em Luanda é seu caráter de Babel em tempo real. Não se trata de uma cidade cheia de descendentes de imigrantes, como São Paulo ou mesmo Salvador, em menor escala, mas num lugar onde a imigração acontece agora, em tempo real. A imigração mais visível é temporária, de portugueses, brasileiros e chineses, que têm tempo de expiração curto por aqui, mas há diversos bolsões de gente de outros países que chegam aqui para ficar, especialmente de países africanos. Obviamente, toda essa mistura se reflete nos sabores da cidade, que ganham em diversidade: uma das viagens gastronômicas mais legais que se pode fazer em Luanda é ir ao Habesha, um restaurante etíope no meio de umas ruas de terra pros lados da Combatentes.




Na verdade, só soube o nome do restaurante no final, quando veio a conta. Trata-se de uma casa comum, sem qualquer indicação de nome na fachada, nem muitos carros estacionados para dar a pista. No Foursquare, o local está identificado apenas como "Restaurante Etíope". Na vizinhança, ninguém conhece o lugar, o que dá a sensação estranha de que vamos entrar mesmo num lugar secreto. Como eu sou camarada, ajudo vocês com o mapinha abaixo. Pega a Cônego Manuel das Neves, no sentido oposto ao do Maculusso; a Edel vai estar à sua direita. Depois da Edel, pega a primeira à esquerda, entrando nas ruas de terra, e conta seis cruzamentos. O lugar vai estar logo depois da esquina à direita. Na dúvida, pergunta.









Chegando lá. o clima de inusitado continua. O restaurante tem cinco mesmas no máximo, e fica dentro de uma casa maior, residencial, onde os etíopes resolveram montar o restaurante. No entanto, a decoração é bem bonita, e faz você esquecer que você está num quintal coberto. Estranhamente, o lugar também não é refúgio da comunidade etíope: só havia nas outras mesas europeus falando francês, inglês, e, acho, alemão, além de uns angolanos bem descolados e bem vestidos, trendsetters felizes por este lugar ainda ser escondido.

 

Pedir a refeição é um pouquinho mais complicado. As duas moças que nos atenderam falam português muito mal, e inglês também não é uma opção. Não há menu, e ninguém vai te explicar o que é comida etíope. Na verdade, eles perguntam se quer carne, peixe, frango ou tudo. Pedimos tudo, e é exatamente isso que vem para a mesa.





Pequenas porções muito bem temperadas (o tempero está entre o árabe e o indiano) de carne peixe e frango e vegetais (três tipos de batata, feijão, folhas) num grande base de uma espécie de pão típico da Etiópia, o injera. A porção da foto deu bem pra quatro pessoas. Algumas porções são muito apimentadas, mas no geral estava tudo muito bom, especialmente o frango e as batatas. Além da base, comemos o tal injera individualmente, já que você serve-se da porção no centro da mesa e enrola no pão, como se fosse um burrito. O pão é pesado, e no fim, o seu sabor torna-se enjoativo, então é bom usar com parcimônia.







Depois dessa grande refeição, a sobremesa da casa surpreende: pipoca? É curioso, e tal, mas é só pipoca. A seguir, vem o café, aparentemente um café especial típico que é servido pela moça na mesa com alguma cerimônia, num bonito jogo de porcelana. Eu não bebo café há anos, e fiz uma pequena exceção, mas não deveria ter feito. Talvez não seja para o meu paladar, mas me pareceu ter gosto de queimado, em vez de torrado. Mas valeu pela mise-en-scène. Gastronomicamente, basta ficar com a refeição principal mesmo, que é muito saborosa e providencialmente diferente.